sábado, junho 19, 2004

Dragão Negro - Redenção...

“Dois dias de viagem... E que viagem infernal! Dois dias desde que escapei daquela fortaleza sombria... E dois dias de batalha após batalha... Uma perseguição acirrada contra mim... Malditos sejam aqueles guerreiros! Malditos sejam aqueles com quem eu convivia! Maldito seja este destino! Maldição!!
Dois dias de travessia nesse pântano fétido... Dá pra sentir a morte por dentro dessa armadura... Rastejando e cheirando a carne apodrecida... E não é por menos: aquele pântano com certeza era o ‘depósito’ de corpos do meu antigo mestre... Uma viagem infernal...
Andar naquela lama é mais difícil do que qualquer treinamento de guerra que poderia ser dado a mim... Poderia ser a fome ou cansaço... Medo ou fúria... Mas não mudava: a cada passo dado, eu afundava mais no pântano amaldiçoado...
A cada passo, a visão escurecia mais... O pântano era tão desprovido de qualquer luz que quase não me mantive consciente do que era dia ou noite. Bolhas de alcatrão e crânios submergiam cada vez mais, enquanto eu caminhava lentamente, tentando me apoiar em cada tronco podre de árvore que achava...
Tontura... Não...! De novo não! Aquela tontura... A mesma que me levara naquele dia amaldiçoado na vila... Não é possível... Mas por que? Por que isso tudo? Eu apenas lutava pelo que achava certo... Eu apenas lutei por justiça... E é assim que os deuses me condecoram? Com uma maldição? Sofrimento? Dor...? É assim que as coisas devem ser agora!?
Cada vez mais a visão se escurece... Vacilando entre os passos, eu tento seguir até onde minhas pernas me permitem... Cada vez mais cada passo se torna uma marcha forçada... Cada vez mais... Luz... Eu... preciso de luz! Eu... preciso... sair...
A última luta desesperada que e poderia travar naquele lugar maldito... A primeira a começar, e a última a findar... Várias e várias quedas se sucedem em meio a travessia daquele terreno. Por várias vezes eu experimento daquela água fétida... O cheiro de morte envolve meus sentidos, e cada vez mais minhas feridas doem, meus olhos se perdem, minha cabeça gira, sem poder sequer respirar sem sentir um milhão de agulhas dentro de meu peito...
Mais uma queda. De novo meu rosto se enfia na lama... Eu não agüentava levantar mais... É isso... Esse é o fim... Talvez seja isso que eu mereça mesmo... Quantas vidas inocentes eu tirei? Quantas casas eu queimei? Quantas guerras eu comandei? E isso tudo defendendo o ideal daquele que eu caçava...? Essa talvez fosse minha chaga... O meu preço a ser pago pelos pecados que eu cometi... Então que assim seja... Levem-me, deuses da Justiça... Levem-me... Façam com que o espírito que deixas seu corpo aqui consiga achar sua redenção... Faça com que esse espírito pague pelos pecados, mesmo que a provação a qual vivi aqui nesse pântano seja o primeiro dos mil infernos que eu tenha que atravessar... Nessa vida ou em outra...
E então, a pouca luz que era proporcionada pelos fogos-fátuos desaparece aos poucos... E o pântano gira uma última vez a minha volta... Os últimos sons que ouço antes da minha queda definitiva são os estalos metálicos das armas que carregavam alcançando o chão, seguido do som dos grilos e sapos, como se eles comemorassem a minha desistência... A minha perdição...
Um período indefinido de escuridão passou pela minha mente, seguido de pensamentos e imagens embaralhadas... A noite do combate na vila, as várias vitórias do exército o qual eu comandava enquanto subordinado daquele que eu matara a pouco tempo... Os rituais de benção de armas... As conversas com meu antigo mestre... Uma face escura e montruosa, me chamando de infiel... E outra face de guerreiro, usando um elmo de metal, que atravessava meu peito com uma lança, chamando-me de pecador... E uma terceira face, que ganhava corpo e recolhia o meu cadáver, acariciando-me e dizendo: “Ainda não...” De repente, sinto o frio do metal que me espetava, e frases dizendo “Ele está vivo? Como fede! Coloque-o de volta no pântano!”... Eu... Eu não morri!?"